Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
24 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Concessão de patentes pela Anvisa

    José Roberto Gusmão e Fernando Eid Philipp

    A máxima bíblica de que o tempo é o senhor da razão infelizmente não pode ser aplicada no conflito existente entre o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mais precisamente no que se refere ao exame dos pedidos de patente da área farmacêutica.

    Com a modificação realizada na Lei da Propriedade Industrial em 2001, a Anvisa passou a se envolver no procedimento de concessão de patentes de invenção da área farmacêutica, cuja análise é da competência legal do INPI. Assim, encerrado o exame técnico do pedido de patente, o processo deveria ser encaminhado à Anvisa, para que a agência concedesse a chamada anuência prévia. Sem a manifestação favorável do órgão responsável pelo controle sanitário, o pedido de patente não poderia ser outorgado pelo INPI.

    Passados mais de dez anos, um grupo de trabalho intergovernamental propõe a Portaria Interministerial nº 1.065, de 24 de maio de 2012. A única conclusão possível após a leitura da portaria e do relatório que lhe deu origem é que o que já estava ruim ficou ainda pior.

    Ao invés de critérios, mecanismos, procedimentos e obrigações para o cumprimento do disposto no artigo 229-C da Lei da Propriedade Industrial, o que se lê ali são expressões vagas, fora de contexto e definições desconexas, levando a um incremento da insegurança jurídica vivenciada nos últimos dez anos nesse setor. Não bastassem tais constatações, um verdadeiro absurdo foi proposto: a partir de agora, o exame de patenteabilidade de um pedido de patente farmacêutica deverá ser feito pela Anvisa previamente à análise realizada pelo INPI.

    A conclusão após a leitura da portaria é que o que já estava ruim ficou ainda pior

    A justificativa para uma tal aberração na inversão da ordem processual e das respectivas competências previstas em lei seria decorrente da capacitação técnico-científica da Anvisa, com intuito de avaliar o impacto do produto ou processo farmacêutico à luz da saúde pública. Assim, caso a Anvisa entenda que um pedido de patente não possa ser anuído, caberá ao INPI, única e exclusivamente, a publicação de tal decisão, sem proceder ao exame do pedido e sem dar ao cidadão a decisão de mérito requerida. Ou seja, o INPI deverá se submeter ao entendimento da Anvisa em matéria de sua competência (exclusiva, aliás), como mero órgão cartorário, subtraindo do usuário o direito a ter o seu requerimento examinado.

    Trata-se de uma castração de competência funcional. Não resta dúvida da subtração de competências, conforme consta do relatório final, ao INPI caberá realizar (...) o exame técnico do pedido em caso de concessão de anuência previa pela Anvisa. À Anvisa caberá proceder ao exame técnico dos pedidos de patente dos produtos e processos farmacêuticos encaminhados pelo INPI. Ou seja, a atuação de ambos os órgãos deverá se dar no exame técnico do pedido. E tudo isso em contraposição ao entendimento da Advocacia-Geral da União, que já expressou-se no sentido de que a Anvisa não deve exercer atuação exclusiva, intransferível e não delegável do INPI. Ora, não havendo modificação legal, cabe exclusivamente ao INPI a verificação dos requisitos de patenteabilidade, enquanto que a Anvisa deve promover a proteção à saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços potencialmente nocivos à saúde humana. De acordo com a Constituição Federal, a competência de cada órgão público somente poderia ser alterável por lei específica, o que não ocorreu no caso, não havendo razão ou fundamento para a ampliação ou redução das atribuições. O INPI, por sua vez, também não poderia dispor de competência exclusiva sua, que é a de promover o exame técnico dos pedidos de patentes farmacêuticas no país. A Anvisa, no exame da anuência prévia, como já entendeu a AGU, somente poderá se posicionar contrariamente à concessão de patentes farmacêuticas na medida em que o objeto reivindicado possa causar males à saúde populacional.

    Não é possível que ainda estejamos diante de disputas de força ou de poder fundadas em ideologias fundamentalistas, que tanto corroem e comprometem o sistema de patentes, fundamental para o avanço econômico do País. Além disso, essas idiossincrasias em nada contribuem para o ambiente de segurança jurídica que o Brasil necessita para receber investimentos produtivos. Pobre Brasil.

    José Roberto Gusmão e Fernando Eid Philipp são, respectivamente, mestre e doutor em direito pela Universidade de Estrasburgo, França, professor dos cursos de graduação da PUC-SP, ex-presidente do INPI; mestre em direito da propriedade industrial pela Universidade de Estrasburgo, França, e sócios de Gusmão e Labrunie - Propriedade Intelectual.

    Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

    Fonte: Valor Econômico

    • Publicações3214
    • Seguidores250839
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações199
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/concessao-de-patentes-pela-anvisa/3180887

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)